Viagens
Itamatatiua se tornou nosso campo de pesquisa, e seus moradores, tornaram-se participantes da pesquisa. Chegamos à liderança da comunidade, aos anciãos e às ceramistas. Também alcançamos 70 (setenta) crianças em 4 (quatro) classes diferentes da Escola Municipal Vereador Manoel Domingos Pereira, compreendidas na faixa etária de 10 à 14 anos e seus docentes.
Feita a contextualização dos envolvidos, vamos ao passo a passo adotado e sistematizado nas categorias: (1) pré-viagem; quando arrumamos as malas, (2) viagem, sobre o que é e como é estar lá e (3) o pós-viagem, quando desfizemos as malas para cada uma das cinco imersões no quilombo. Veja o Diagrama do fluxo das viagens.



A prática extensionista, dimensão tão importante para a materialidade do conhecimento e integração do processo formativo em conjunto com as dimensões ensino e pesquisa, também cumpre sua dinâmica de planejamento e organização como etapas que precedem e sucedem as vivências em campo. Todo o processo é relevante para uma equipe que estabeleceu objetivos para o desenvolvimento de um trabalho compromissado com preceitos de ordem educativa, cultural, científica e política.
Neste projeto, executado em duas etapas, foram planejadas e executadas ações que envolveram o sentir, agir e realizar em momentos correspondentes ao input (entrada de dados, recursos utilizados para gerar o produtos), put put (processamento de dados, relação entre saída e entrada), e output (saída de dados, produtos gerados pelo sistema). Todas as fases e etapas foram guiadas pelo objetivo de instrumentalizar a educação quilombola. No decorrer das ações extensionistas o conteúdo resultante de um ciclo alimentava um novo ciclo, a retroalimentação, (BERTALANFFY, 2010) mostrando-nos a complexidade de um sistema, cujos elementos interdependentes formam uma rede onde se interligam vidas em um ecossistema sociocultural constituído por pessoas, espaços, memórias, motivações, habilidades, formas de viver e produzir.
A síntese das ações desenvolvidas na primeira etapa e na segunda etapa é exposta nas a seguir. Todos os registros das narrativas, incluindo velhos (as), adultos(as) e crianças, das oficinas envolvendo desenhos, contação de histórias e teatro, são a expressão da história de vida e resistência de Itamatatiua, uma comunidade que se insere no conceito de autopoiésis (CAPRA; LUISI, 2014 e MATURANA; VARELA, 1995, apud ESCOBAR, 2016) ao fazer parte de um ecossistema no qual é capaz de se autogerir e regenerar, ao buscar meios para manter e (re) produzir seus saberes e fazeres.
Histórias foram confiadas a essa equipe na primeira etapa do projeto (input), e em sua segunda etapa foram processadas (put put), e materializadas (output), na forma de registros em um E-book que recebeu o título: Um diário de campo: viajando entre as histórias do quilombo e em recursos audiovisuais realizados com a comunidade e escola para a sustentabilidade da cultura local e educação quilombola.
VIAGENS - PARTE 1
A primeira etapa do projeto teve como principal objetivo conhecer as histórias de Itamatatiua por meio das narrativas das variadas gerações. Como ponto de partida fomos ao encontro dos idosos e idosas do local, em especial, aqueles que mais se dedicaram às práticas tradicionais. O segundo passo foi o encontro com as crianças em oficinas implementadas na escola em 4 turmas simultaneamente: fundamental 4, 5, 6 e 7. As oficinas 1, 2 e 3 foram desenvolvidas com base em jogos para contação de histórias e inovação (GRAY, BROW E MACANUFO, 2012). Acreditamos que com essas simples atividades a escola pode ter uma visão geral, na perspectiva das crianças, sobre o quilombo onde nasceram ou vivem.









A oficina 1: o mapa mental de Itamatatiua com raízes iniciais indicando o passado, presente e futuro foi preenchido pelas crianças mediante desenhos que representassem o quilombo nesses espaços temporais. Em seguida, palavras e frases ocuparam as demais raízes do mapa expandindo o entendimento sobre as representações gráficas.

A oficina 2 foi desmembrada em várias atividades com o objetivo de instigar a criação de histórias. O “mapa da empatia” seguido de uma série de cinco painéis chamada: “mapeando quem sou e onde vivo”.
O mapa da empatia consiste em um painel que apresenta um garoto e uma garota de Itamatatiua. Esse foi preenchido com palavras para cada sentido e sentimento dos personagens apresentando o espelho da vida dos participantes em sua comunidade e nele foram explorados os 5 (cinco) sentidos percebidos pelos órgãos sensoriais (pele, língua, nariz, ouvidos e olhos), causando, motivo aos sentimentos das crianças pelo quilombo. O mapa da empatia alimenta uma narrativa e é alimentado por ela, durante o processo de construção.




A série “mapeando quem sou e onde vivo” vem servir para detalhar a vida dos personagens. Esse mapa foi elaborado com o intento de abrir o mundo dos personagens detalhando alguns aspectos do modo de ser e viver deles na perspectiva de seus criadores, os participantes da oficina. Cada um apresenta uma ilustração e uma pergunta para as crianças responderem com base nos personagens do mapa da empatia: 1.Qual é a minha comunidade? (com quem eu convivo); 2.O que tem de lindo no meu quilombo?; 3.O que eu costumo fazer em Itamatatiua? 4.O que os adultos do quilombo fazem? 5.O que eu quero ser quando eu for adulto também?







A oficina 3, parede de memórias, trata de um painel com três quadros para desenhar e contar uma história, com base nos painéis anteriores, em uma sequência lógica. Antes de iniciar conversamos sobre a construção de uma história, como referência utilizamos o mapa da narrativa. Esse mapa foi desenvolvido pelo mentor de narrativas Olavo Pereira Oliveira, trata de um método de contação de história inspirado em estudos sobre o pensamento visual e processo criativo.
O objetivo da parede de memórias do quilombo foi explorar o mundo dos personagens mediante o compartilhamento das histórias desenvolvidas pelos participantes, tendo em vista suas vidas e experiências no quilombo, ou seja, as histórias do quilombo sob o olhar das crianças. Mas em apenas 3 (três) quadros!






A oficina 4, teatro de barro, ocorreu em quatro dias de convivência com diversas gerações em um encontro intergeracional que resultou em contação de histórias sobre Itamatatiua mediante a produção de um teatro produzido por crianças e ceramistas. Estávamos lá, participando de todo o processo, como facilitadores, apenas conduzindo uma sequência de ações planejadas, mas com aberturas às construções e reconstruções por parte daqueles que sabem do que estão falando e fazendo por pertencerem àquela comunidade.
Nesse encontro intergeracional, buscamos a participação das crianças de forma criativa e prazerosa, para esse intuito escolhemos inserir a linguagem teatral. A escolha não foi aleatória, encontramos a modalidade do teatro dentro do Centro de Cerâmica, nas bonecas já produzidas pelas ceramistas de Itamatatiua. As bonecas de cerâmica nasceram para além da visão mercantilista, elas guardam memórias e contam histórias conhecidas por quem as moldou.
A partir das histórias contadas nos eventos anteriores e recontadas neste, as crianças construíram um texto base para encenação da produção teatral, com personagens de cerâmica, desenvolvida com apoio dos facilitadores, ceramistas e professoras(es). Segundo Sitchin (2018, p.104): “Bonecos são poderosos. Nascem brinquedos, naturalmente aceitos pelas crianças como integrantes de seu universo”.










Uma vez que buscamos nesses encontros a continuidade das histórias desse quilombo, o teatro de barro construído trouxe à tona memórias afetivas e o sentimento de pertencimento nas crianças e ceramistas, além de fomentar a intergeracionalidade cultural, passagem de saberes e fazeres entre gerações, mediante prática secular desse quilombo. No teatro as bonecas produzidas e exibidas, passaram a ter um novo significado, tornaram-se vivas na imaginação (AMARAL, 2018), artefatos figurativos da história de vida dessas crianças e de seu território.
Através da construção e manipulação desse teatro de barro, as crianças puderam recontar as memórias dos idosos desse quilombo. O teatro de barro, como mediador de encontros de vida, processos e histórias, mostrou-se como importante instrumento para a sustentabilidade cultural no quilombo de Itamatatiua.


VIAGENS - PARTE 2
Oficinas realizadas e um vasto e rico conteúdo sobre Itamatatiua nos levaram à segunda etapa desse projeto: a produção de quatro vídeos voltados à educação quilombola, cujo o conteúdo foi formado por pesquisas, ações e registros em um diário de campo e, fundamentalmente, por vozes do quilombo. Nesses vídeos histórias foram recontadas, em uma nova linguagem. Como forma de compartilhar os produtos, criamos cartões digitais que podem ser impressos e levados para sala de aula, neles há descrição do tema, QR Code e link de acesso.



Oficinas realizadas e um vasto e rico conteúdo sobre Itamatatiua nos levaram à segunda etapa desse projeto: a produção de quatro vídeos voltados à educação quilombola, cujo o conteúdo foi formado por pesquisas, ações e registros em um diário de campo e, fundamentalmente, por vozes do quilombo. Nesses vídeos histórias foram recontadas, em uma nova linguagem. Como forma de compartilhar os produtos, criamos cartões digitais que podem ser impressos e levados para sala de aula, neles há descrição do tema, QR Code e link de acesso.
Pretendíamos, com esses produtos audiovisuais, responder às demandas expressadas pelos idosos: aproximar a nova geração da sua cultura "para não morrer". Refletimos sobre o conteúdo e linguagem dos produtos em um workshop com docentes da escola quilombola, momento em que ocorreu o exercício de elaborar atividades para os alunos com base nos vídeos e também o planejamento de um evento para apresentação desses na escola para discentes e comunidade. Chamamos o evento de: "Cineminha em Itamatatiua", esse aconteceu durante dois dias e contou com a presença da liderança representada por Neide de Jesus, ceramistas, discentes e responsáveis por esses. Como fechamento, tivemos as impressões expressadas nas narrativas intergeracionais do quilombo. Dados que estão em processo de análise e sistematização como feedback às próximas ações.




REFERÊNCIAS
CAPRA, F.; LUISI, P. L. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, 2014.
ESCOBAR, A. Autonomía y diseño. La realización de lo comunal. Popayán: Universidad del Cauca. Sello Editorial, 2016.

