Diário de Campo
O diário de campo de um pesquisador está sempre com ele como bagagem fundamental em suas viagens, é utilizado como ferramenta para registro de dados observados. Nele vão constar as descrições sobre procedimentos, interações, ambientes e outros aspectos no contexto da pesquisa. Mas, no ambiente de estudo há de se contar com a imprevisibilidade, pois o pesquisador não se encontra em um campo controlado, mas sim em um espaço onde há pessoas, ações, reações e múltiplos fatores de interferência (MINAYO, 1993; SANTOS et. al., 2018).
A importância do diário de campo em um projeto de extensão interdisciplinar, envolvendo diversas habilidades e áreas de conhecimentos, está para além da sistematização e do uso da ferramenta reflexiva pertinente ao objetivo da pesquisa e tomada de empréstimo das práticas etnográficas. Ela está na validação da última fase do trabalho em uma investigação-ação relatada por Amado e Cardoso (2014, p.193-194): repetir o ciclo.
Contar, quer seja pela história oral quer seja registrada em laudas, é resistir. Aprendemos com esta comunidade que o passar de geração em geração é a forma mais tradicional de educar e queremos também instruir outros. Faremos isso por meio desta base de registros colaborativa com vistas na produção de um livro (E-book) para divulgação de experiências e possibilidade de replicar ações voltadas à educação quilombola, um produto para um futuro breve.




As narrativas dos moradores de Itamatatiua que participaram deste projeto aliadas às observações durante as ações no local preenchem as páginas deste diário de campo revelando momentos de contação de histórias e de produção de artefatos cerâmicos e evidenciando o fato de que o encontro entre vozes de diferentes gerações vem delinear quadros sobre o quilombo do passado, do presente e do futuro na perspectiva dos adultos, idosos e das crianças da escola quilombola.
Lá, por mais de três séculos, são produzidos artefatos cerâmicos. Hoje, nascem das mãos habilidosas do seu Elias artefatos voltados à construção civil e das mãos das mulheres, em sua maioria idosas, surgem bonecas, potes, panelas e outros utilitários e figurativos. Essas ceramistas se sentem responsáveis pela transferência dos saberes e fazeres tradicionais que identificam a cultura do quilombo e se mantêm até hoje sob o viés da intergeracionalidade, a passagem das práticas tradicionais de geração a geração nas danças, cantos, cultos, lendas e formas de produzir artefatos cerâmicos. Na cerâmica está a representação de maior destaque e que hoje ultrapassa os limites dos quilombos sendo vendidas para turistas do Brasil e do exterior, recebendo homenagens e prêmios, mérito a resistência das mulheres de Itamatatiua.











A cultura é a expressão do ser, que se manifesta em todas as suas obras e atividades, é a condição poética do espírito no ato de conformar a matéria”, disse Coelho (2008, p. 61- 62). Após aplicação das oficinas desenvolvidas pela equipe do projeto compreendemos que a cultura do quilombo é expressada pelas crianças, adultos e idosos na contação de histórias, uma forma de transferência de experiências utilizada pelos chamados antigos no intento de dar continuidade ao patrimônio cultural imaterial e material local.
Nesse processo de contar a história do povoado e do seu ofício, a participação das artesãs mais velhas é e sempre será essencial. Elas escutaram histórias das mães, das avós. Foram ouvintes e hoje são emissoras porque gostam e querem que a história “continue”. Pausadamente elas contam o que viveram e o que os outros lhe contaram: saberes, modos de fazer, modos de vivenciar o seu ofício. O barro criou seus filhos e netos, assim elas dizem com muito orgulho, e esse parece ter o poder de fazer as palavras fluírem enquanto o moldam o barro ou sentadas nas varandas das coloridas casas de Itamatatiua. Veja algumas narrativas das mulheres de Itamatatiua!








Maria Cabeça










Irene


No caso das crianças, desenhos e momentos lúdicos tornam o ambiente de contação de histórias mais convidativo. Desse modo, falam sobre o quilombo onde nasceram e recordam tudo que aprenderam com os mais velhos.




Por fim, procuramos registrar no nosso diário de campo cada fase e etapa realizadas durante execução do projeto de extensão com o objetivo de expor as nossas experiências a todos os interessados na educação quilombola e sustentabilidade cultural de comunidades quilombolas e também para instigar o desenvolvimento de pesquisas e ações interdisciplinares voltadas ao mesmo fim. A sustentabilidade cultural dos quilombos é uma responsabilidade de todos nós e isso implica em repensar a educação a partir da base. As vozes das (os) ceramistas e moradoras (es) mais velhas (os) da comunidade nos mostraram o caminho para escola, pois é lá que estão as crianças, a nova geração do quilombo que os idosos dizem estarem se afastando das tradições. O dialogo entre diferentes gerações pode ser uma estratégia mediante a inovação ou a renovação do ato de contar histórias. Então, vamos à nossa história ou às nossas viagens às histórias de Itamatatiua?
REFERÊNCIAS
AMADO, João; CARDOSO, Ana Paula. A Investigação-Ação e suas modalidades. In: AMADO, João (Org.). Manual de Investigação Qualitativa em Educação. 2. ed. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014. Cap. 2. p. 187-197
COELHO, L. A. L. (org.). Conceitos-chave em Design. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio. Novas Ideias, 2008.
JESUS, Irene de: depoimento [jan.2020]. Entrevistadores: G. Cestari, T.Lima, J.Mendes, J.Campos, E.Veloso, M.Romeiro, A.Linhares. Itamatatiua, 2020. Entrevista concedida a Pesquisa Intergeracionalidade e Sustentabilidade Cultural em um Quilombo Maranhense: contação de histórias e oficinas no espaço escolar de Itamatatiua na perspectiva da gestão e abordagem sistêmica do design. IFMA-CH/UFSC.
JESUS, Amaral de: depoimento [jan.2020]. Entrevistadores: G. Cestari, T.Lima, J.Mendes, J.Campos, E.Veloso, M.Romeiro, A.Linhares. Itamatatiua, 2020. Entrevista concedida a Pesquisa Intergeracionalidade e Sustentabilidade Cultural em um Quilombo Maranhense: contação de histórias e oficinas no espaço escolar de Itamatatiua na perspectiva da gestão e abordagem sistêmica do design. IFMA-CH/UFSC.
JESUS, Cecília de: depoimento [jan.2020]. Entrevistadores: G. Cestari, T.Lima, J.Mendes, J.Campos, E.Veloso, M.Romeiro, A.Linhares. Itamatatiua, 2020. Entrevista concedida a Pesquisa Intergeracionalidade e Sustentabilidade Cultural em um Quilombo Maranhense: contação de histórias e oficinas no espaço escolar de Itamatatiua na perspectiva da gestão e abordagem sistêmica do design. IFMA-CH/UFSC.
JESUS, Maria José de (Maria Cabeça): depoimento [jan.2020]. Entrevistadores: G. Cestari, T.Lima, J.Mendes, J.Campos, E.Veloso, M.Romeiro, A.Linhares. Itamatatiua, 2020. Entrevista concedida a Pesquisa Intergeracionalidade e Sustentabilidade Cultural em um Quilombo Maranhense: contação de histórias e oficinas no espaço escolar de Itamatatiua na perspectiva da gestão e abordagem sistêmica do design. IFMA-CH/UFSC.
JESUS, Neide de: depoimento [jan.2020]. Entrevistadores: G. Cestari, T.Lima, J.Mendes, J.Campos, E.Veloso, M.Romeiro, A.Linhares. Itamatatiua, 2020. Entrevista concedida a Pesquisa Intergeracionalidade e Sustentabilidade Cultural em um Quilombo Maranhense: contação de histórias e oficinas no espaço escolar de Itamatatiua na perspectiva da gestão e abordagem sistêmica do design. IFMA-CH/UFSC.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do conhecimento. 2.ed. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 1993.



